terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A serpente que dava ouro


Era uma vez uma cidade chamada Canti, e sobre a qual reinava um rei chamado Canaiasen. Frequentava o palácio deste rei um brâmane muito sábio que lia traduções comentadas do Maabárata e dos puranas. Ao princípio, lia-as apenas para o monarca, depois passou a lê-las para toda a família real, e mais tarde para os nobres da Corte. Assim iam as coisas quando um dia o brâmane começou a ler, sozinho, num jardim, com voz e cantos melodiosos. Neste jardim vivia uma serpente. Havia no jardim uma panela cheia de ouro, e nela habitava a serpente. Esta serpente ouviu a leitura, a voz do leitor e o seu canto melodioso. Rastejou para fora da panela, e ficou-se a escutar a leitura. E sentindo o encanto da leitura, tomou uma das moedas de ouro, depô-la diante do leitor, e em seguida regressou à sua vivenda. No outro dia o leitor leu para a serpente um trecho muito grande, cantando-o com sua voz harmoniosa, e a serpente voltou a depor ante o brâmane uma moeda de ouro. Desde então, o brâmane passou a ler naquele jardim, todas as manhãs. E assim aconteceu que a serpente passou a gostar mais do brâmane do que de qualquer outro homem; ao retirar-se aquele, dava-lhe sempre uma moeda de ouro. Mas além do brâmane leitor, ninguém mais conhecia a gentileza da serpente. Assim estavam as coisas quando chegou um irmão de Devadata convidando-o para uma boda, pois a irmã de ambos, que vivia noutra aldeia, casava um filho. Bavadata escusou-se:
- Não posso ir. Tenho de ler para o rei.
Mas na realidade não queria perder uma só oportunidade de ganhar o ouro da serpente, e por isso não ia, não querendo que ninguém ficasse a par da história. Por esse motivo disse:
- Leva uma cunhada e teu sobrinho. Eu não posso ir.
Mas o irmão dirigiu-se ao rei, e pediu:
- Permite que meu irmão viaje.
E o rei disse a Devadata:
- Podes ir.
Então Devadata, que tinha um filho de vinte e cinco anos, muito instruido, levou-o consigo ao jardim e mandou-o ler próximo ao lugar onde vivia a serpente. A serpente ficou satisfeita; saiu da panela e ficou escutando. E o pai disse ao filho:
- Não contes a ninguém. Faze uma leitura diária. A serpente dar-te-á sempre uma moeda de ouro. Mas que ninguém saiba uma palavra.
Assim o aconselhou, e a serpente deu a sua moeda de ouro. Devadata pôs-se a caminho com a sua família, ficando seu filho. Primeiro lia para a serpente, e depois lia para o rei. Passaram assim três dias. Então pensou o filho do sábio.
- Dá-me sempre uma moeda de ouro. Isto significa que possui uma grande panela cheia de moedas. Preciso pegar a panela.
Concebeu este plano insensato, e um dia levou consigo um bastão, escondeu-o debaixo da almofada em que se sentava, e iniciou a leitura. Terminada esta, a serpente depôs no chão a moeda de ouro e preparava-se para rastejar até à sua vivenda, quando o sábio levantou contra ela o seu bastão, abatendo-a na cabeça. Como consequência do golpe, quebrou-se a pedra preciosa que a serpente levava na cabeça (*). Esta, enfurecendo-se, voltou-se sobre si mesma e mordeu o sábio e, depois de mordê-lo, regressou à sua vivenda. O filho do brâmane morreu da mordida. Dez dias depois estava de volta o velho sábio. Voltou a ler para a serpente e esta, então, de sua vivenda, gritou-lhe a seguinte estrofe em sânscrito:
- Estou triste porque se quebrou a minha pedra preciosa, e tu lamentas a morte de teu filho. De onde há de vir o amor quando o coração está destroçado? Leitor: fecha o teu livro!
Fonte: Contos Indianos, de Fernando Correia da Silva, Livros de Bolso, Edições de Ouro, Rio, 1966

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